O Oriente Médio através do Turismo de Empatia

Relato por Talita Ribeiro
O exercício do amor não é algo simples ou óbvio”, a enfermeira me fala, ao perceber a minha expressão introspectiva. Eu acabara de ouvir uma mulher síria confessar que três dos seus irmãos estavam em meio a uma das guerras mais sangrentas da atualidade, lutando ao lado de radicais religiosos. “Mas eles não querem estar lá, tiverem que escolher entre isso ou morrer“, ela complementa, com os olhos cheios de lágrimas. Não tenho como julgar, na verdade, sua sinceridade me faz sentir empatia e refletir sobre as pessoas que lutam nas trincheiras, apenas para sobreviver, sem crer no inferno terreno ou no paraíso divino.

Ao embarcar para o Oriente Médio, eu sabia dos risco de estar tão próxima à guerra –em alguns momentos a apenas 50 km de cidades ocupadas pelo ISIS (sigla usada para a facção radical Estado Islâmico)–, mas nenhum livro ou notícia me preparou para tomar tantos chás açucarados e cafés com cardomomo, para ouvir os relatos de quem atravessou fronteiras a pé e hoje luta contra a fome, o frio e a falta de perspectivas. São milhões de refugiados muçulmanos, tantos outros cristão, resistentes yazidis… Que me lembram a música de Gilberto Gil, ao guardarem em um baú de prata dentro de si a honra, a esperança e as lembranças.
Mulheres passeiam no centro de Arbil, capital do Curdistão iraquiano
Mulheres passeiam no centro de Arbil, capital do Curdistão iraquiano


Algumas dessas memórias nunca mais serão revisitadas, nem que o conflito acabe. É o caso do “jardim secreto” do doutor Muzahim, refugiado iraquiano que generosamente me leva para passear no Mosteiro mais antigo do Iraque, através das suas histórias sobre sábados de sol e horizontes amplos. Isso antes do Estado Islâmico dominar Mosul, sua cidade natal, marcando a sua casa, roubando seus sonhos e o obrigando a partir, por tempo indeterminado. Talvez o ISIS ainda não saiba, mas ao contrário do que mostram as imagens via satélite, o Mosteiro continua inteiro, na fala e no coração de Muzahim. E é tão lindo, que até uma forasteira como eu consegue sentir o vento, ouvir os sinos, sonhar com o voo livre dos pássaros…

Homem caminha por rua em Jerash, na Jordânia, onde há as ruínas romanas mais bem preservadas fora da Itália
Homem caminha por rua em Jerash, na Jordânia, onde há as ruínas romanas mais bem preservadas fora da Itália
 Rapidamente percebo que minha viagem não é por territórios geográficos, mas sim por lugares sagrados: o coração daqueles que abrem suas casas ou barracas de lona, que me deixam pisar em lindos tapetes e brincar com os seus filhos. As crianças, em especial as meninas, me surpreendem com a curiosidade e coragem de se fazer presentes, mesmo que tudo ao redor as oprima. Com elas aprendo sobre resistir e criar um mundo todo novo, com potes, pregadores de roupa e um cachecol, que logo se transforma em um gato! Em retribuição, distribuo balões e chocolates, que compartilhamos em doces segundos mágicos.
Crianças brincam próximas de ruínas romanas em Jerash, na Jordânia
Crianças brincam próximas de ruínas romanas em Jerash, na Jordânia

Os dias que passo na Jordânia e no Curdistão Iraquiano parecem mais densos, mais cheios de significado. Leio poucas notícias, fico sabendo de atentados através da preocupação dos amigos, que compartilham assustados o número de mortos, em Paris e no Líbano. Mas o que me interessa mesmo é a quantidade de vida que essa guerra ainda não conseguiu sacrificar. Quero que todos saibam, ou melhor, que sintam a necessidade de olhar nos olhos dos outros, daqueles que nós preferimos ignorar ou desumanizar em relatos sempre tão distantes sobre o Oriente Médio e as pessoas que o formam.

A jornalista Talita Ribeiro em um campo de refugiados cristão em Arbil, capital do Curdistão iraquiano
A jornalista Talita Ribeiro em um campo de refugiados cristão em Arbil, capital do Curdistão iraquiano
Volto para o Brasil decidida a contar essas histórias, para quem estiver disposto a ler, ouvir e ver um outro lado desse conflito, onde há esperança. E também a ajudar, mesmo que com pouco, os refugiados. Para isso, criei o financiamento coletivo do livro “Turismo de Empatia: Refugiados no Oriente Médio“, cujo lucro será todo enviado para os projetos que conheci na Jordânia e no Curdistão.
Ilustração do mosteiro mais antigo do Iraque, que foi destruído pelo ISIS, mas permanece na memória do meu amigo Muzahim
Ilustração do mosteiro mais antigo do Iraque, que foi destruído pelo ISIS, mas permanece na memória do meu amigo Muzahim
O livro conta com as crônicas que escrevi durante a viagem, sobre as histórias que ouvi e vivi, dicas turísticas dos locais que visitei (Petra, Jerash, Arbil) e também um passo a passo de como embarcar no Turismo de Empatia, onde o foco são as pessoas, não os lugares. Você pode garantir o seu e fazer parte desse sonho, colaborando com valores a partir de R$ 10. Bem-vindo e tire os sapatos, afinal, você acaba de entrar em um lugar sagrado.