Diário de uma mochileira brasileira que viaja sozinha

Quando me propuseram a escrever esse texto, me perguntei o porquê de contar meu relato. Minha história é como centenas de outras em que uma mulher abre mão de uma vida confortável em busca de um sonho. Porém por mais que se assemelhem, cada história é importante para nos lembrar que viver arrependido de algo que não fizemos é muito mais frustrante do que ir atrás daquilo que queremos e falhar por qualquer motivo.

Sou dessas pessoas que o desejo de viajar é tão enraizado que não consigo nem me lembrar quando começou, mas aos 20 e poucos anos eu estava me tornando o tipo de pessoa que sempre critiquei, que dizia que amava viajar, mas quando era questionada sobre o último lugar que tinha estado, dizia que não lembrava.

Decidi que eu não seria essa pessoa e comecei com viagens curtas aos fins de semana. Estava trabalhando em um ótimo lugar, emprego estável com vários benefícios e, nas minhas primeiras férias, fiz também meu primeiro mochilão sozinha: um mês pela Patagônia chilena e argentina. Voltei para o trabalho já planejando as próximas férias, que veio com mais um mês entre Bolívia, Chile e Argentina. Voltei novamente ao trabalho desolada e com a certeza de que eu não podia mais sobreviver 11 meses do ano sonhando com viver um único mês de férias e que, apesar de ser boa em várias coisas, o que eu sabia fazer de melhor era viajar.

Depois de algumas manobras, consegui uma licença no meu trabalho e tive o privilégio de poder partir.

Viajar não é somente visitar alguns pontos turísticos, não para mim. É entender o transporte público, é saber qual o mercado mais barato, é identificar características de comportamento e sotaques de cada povo, é aprender a história e a cultura de cada lugar, é ser cumprimentada pelo vendedor de frutas que sequer tem uma língua em comum com você, mas te reconhece ao te ver passar.
E é aqui que entra a mágica de uma plataforma como a Worldpackers, pois nos proporciona exatamente isso: uma troca intensa e completa. Estamos ali, sozinhos em um país desconhecido, ávidos por conhecimento e contato, livres de preconceitos ou amarras e doamos tudo o que somos, ao mesmo tempo que somos preenchidos por novas experiências em todos os sentidos e a todo momento.

Já faz um ano e sete meses desde que saí do Brasil e ao menos 10 meses foram passados ajudando diferentes Hostels. Seria impossível ficar tanto tempo fora se não fosse a possibilidade de trocar tudo que eu sou por um novo lar a cada canto. Porque não é só a questão financeira, óbvio que trocar minhas habilidades por hospedagem possibilita uma economia enorme e assim podemos nos manter mais tempo na estrada, mas ser uma worldpacker em Hostels nos propicia uma nova família em cada lugar, tanto entre os colaboradores como entre os hóspedes.

Nós moramos juntos, sorrimos, choramos, bebemos, cantamos, dançamos, ensinamos e aprendemos muito mais do que a fazer um check-in ou trocar um lençol. A cada dia, aprendemos uma palavra nova em um idioma desconhecido, aprendemos o que é preciso para tirar o sorriso de um estranho, aprendemos a comer e a cozinhar em comunhão.

Desde então, eu aprendi que, na Inglaterra, o Natal se comemora no dia 25 de dezembro, não na ceia da véspera. Chorei com os londrinos a morte do Bowie. Descobri, depois de todo um inverno congelante, o prazer de sentar em um parque qualquer no primeiro dia de sol, com uma cidra nas mãos, rodeada de bons amigos. Eu fiquei doente e carente, assim como fui cercada de cuidado e amor por pessoas que eu tinha acabado de conhecer. Torci e gritei em um pub para que o Liverpool ganhasse uma partida de futebol como se fosse meu time do coração na cidade de mesmo nome, onde, é claro, segui os passos dos Beatles e me apaixonei por esse lugar de contrastes.

Ainda pela Worldpackers, fui para uma cidade de praia em Montenegro achando que não iria encontrar nenhum brasileiro, mas ganhei um irmão mineiro por lá e recebíamos grupos enormes de brasileiros que moravam na Hungria, para os quais cozinhávamos comidas típicas dos Balcãs, bebíamos rakija a noite inteira enquanto alguém tirava um samba do violão. Nas noites tranquilas, jogávamos truco com um jovem garoto irlandês e dormíamos sob as estrelas.

Nesse hostel, me divertia dando banho em uma cadela Golden Terrier ainda filhote e, mesmo não tendo muito jeito com crianças, cuidei de duas garotinhas encapetadas e de um bebê que sorria e estendia os braços quando me via. Em duas semanas na Bósnia, entendi mais profundamente o que significou a guerra, vi como as marcas ainda são profundas e como garotos de menos de 25 anos, nascidos durante o cerco, carregam na memória detalhes que chocam e enternecem.

Perdida em uma ilha na Croácia, fui paparicada e contribuí lado a lado com pessoas sem falar uma palavra no idioma local. Vi como jovens recém-saídos da adolescência podem ser inconsequentes sozinhos em um paraíso no meio do nada e como trabalhadores nas ruas precisam de somente alguns dias para adotar como amiga uma estranha viajante que vai todos os dias comprar frutas na feira.

Na longínqua Moscou, entendi que os russos são mesmo um pouco frios e não são gratuitamente simpáticos, mas que isso só é verdade como primeira impressão, pois em pouco tempo eles se mostram extremamente generosos. Em um mês ajudando um Hostel que apliquei pela Worldpackers, fiz jantares para mais de 40 pessoas. Visitei várias vezes os pontos turísticos mais importantes da cidade, tive contato com pessoas de culturas que até então eram novidade para mim, passei muito tempo com chineses que possuem uma certa surpresa perante tudo e uma inocência tão doce que acho que nunca tive. Descobri ainda que, apesar dos russos adorarem dividir comida e bebida com os outros, é uma péssima ideia tentar acompanhá-los na vodka.

Essas são somente algumas histórias, mas tem mais, muito mais. Tem uma vida em cada dia que passei na estrada. Eu realizei muita coisa nesse tempo e concretizei o sonho de inúmeros viajantes. Eu andei o Caminho de Santiago, atravessei a Rússia pela Transiberiana, dormi com as famílias nômades no deserto mongol, subi na Muralha da China, nadei no mar do Vietnã. No entanto, o mais importante é que eu sei que tive um lar em cada um dos seis hostels que fui worldpacker, que ganhei incontáveis irmãos de alma espalhados por todos os cantos do mundo e que, quando saímos da nossa zona de conforto, a vida sempre nos presenteia.

Agora, minha viagem está acabando e, em pouco tempo, voltarei ao Brasil para uma vida que eu ainda não sei como será. O que eu sei é que o futuro não tem mais o poder de me amedrontar, que depois que partimos a primeira vez entendemos que a força que nos prende é menor que as vantagens de ir. Olhando para mim hoje, eu sei que sou exatamente o que a garota de 18 anos sonhava em ser, pois eu me tornei uma mulher independente, segura e que luta para nunca se arrepender por aquilo que deixou de fazer.

E também sei que isso é só o começo, que essa fome do mundo ainda não passou e que o próximo destino estará sempre após a próxima esquina.

Relato por Shaula Chuery, do blog Ainda Que se Mova o Trem.

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