De repente 30: jovem viaja sozinha para superar a ‘crise dos 30’

Ela estava prestes a enlouquecer porque os vinte e poucos anos ficaram para trás e os trinta estavam batendo na porta. Mas aí, a paixão por viajar falou mais forte e levou a brasiliense Rayane Azevedo, 31 anos, a cruzar o oceano e desembarcar na Europa para fazer o seu primeiro mochilão sozinha com um orçamento super apertado.

Formada em fisioterapia e, até então, sócia de uma clínica, ela não pensou duas vezes, pegou uma pequena mala de rodinhas e foi se aventurar pela Holanda, Alemanha, Polônia, República tcheca, Hungria, Áustria e Espanha durante trinta e oito dias. “Escolhi a bagagem de mão, por ser mais prática que uma mochila. Afinal, se ela cabe no bagageiro do avião, com certeza caberia nos armários do albergue”.

Quatro dias antes de completar trinta anos, Rayane embarcou rumo à viagem que mudaria para sempre sua vida e anotou tudo o que aconteceu com ela em seu diário de bordo. Com tantas histórias para contar, ela resolveu escrever um livro baseado na viagem, que será lançado em breve por meio de um financiamento coletivo no Catarse.

“Todo mundo me perguntava se eu tinha coragem de ir sozinha e ficar tanto tempo por lá. Sempre respondia a mesma coisa: ‘vou fazer 30 anos, já está na hora de ganhar minha independência, né?’ Eu sentia que naquele momento eu precisava viajar sozinha.”

Rayane na Holanda[/img]

“Desde o primeiro planejamento até a viagem terminar, modifiquei muitas coisas. Primeiro porque não poderia abandonar a clínica por tanto tempo, por isso não consegui incluir mais destinos no roteiro final. Segundo porque não queria ficar pingando de país em país sem antes observar e conhecer a cultura local. Terceiro porque surgiram vários contratempos durante a viagem e tive que me adaptar a eles.”

Ela abdicou do luxo ficando apenas em albergue, que reservou dois meses antes. “Preferi ficar em albergue pela interação entre os viajantes. Apesar de ter ido sozinha, não queria ser aquela balzaca depressiva que não quer contato com ninguém e ficar choramingando pelos cantos. Queria conhecer pessoas novas, ouvir suas histórias e quem sabe fazer amigos para levar para a vida toda. E também, porque em alguns albergues o café-da-manhã estava incluso, onde conseguiria economizar em duas refeições: o café da manhã e um lanche, pois fiz sanduíches para comer mais tarde”.

 

Outro ponto interessante que fez sua viagem ser bastante econômica, foi estipular € 25 para gastos diários, incluindo alimentação e as atrações turísticas. “Pesquisei muito antes de ir. Entrei em todos os sites das atrações que visitaria e em blogs de viagem e vi quais dias a entrada era gratuita. Quando não existia essa possibilidade, refazia o cálculo do almoço ou jantar e se não batesse com o valor que estipulei, comia em fast-food, já que por lá tem a opção de comer um sanduíche por apenas € 1. Outra opção, que também vi nos blogs de viagem é que a maioria dos restaurantes na Europa tem o prato executivo que custa em média € 10 e vem com entrada, prato principal e sobremesa. Se nem isso entrasse no orçamento, aí cozinharia no hostel. Fato que aconteceu, mais de uma vez”.

Ela também optou por viajar de trem para não perder tempo com os deslocamentos e horas de passeio até o aeroporto e percebeu que seria a opção mais barata. “Li que as passagens de trem são mais baratas quando compradas de três a quatro meses antes. Toda semana entrava para ver se já estava disponível. Mas só consegui mesmo comprar três meses antes de embarcar e pude baratear mais ainda o que havia planejado”.

Mas como nem tudo são flores, apesar de ter dado tudo certo durante o planejamento, quando ela chegou lá, muita coisa aconteceu. Teve de refazer alguns roteiros, comprar novas passagens e perdeu bastante dinheiro nas trocas de câmbio nos países que estão na União Europeia, mas que ainda usam a moeda local. Além de vários contratempos que teve de enfrentar de cabeça erguida e resolver o mais rápido possível.

“Em Dresden [Alemanha], foi quando chorei pela primeira vez. Não consegui voltar para Berlim e me desesperei de verdade! Não sei falar alemão e tudo mundo que eu abordava parecia não estar nem aí para o meu desespero e abanava as mãos em negativa afirmando não falar inglês. Não podia ficar na cidade porque no dia seguinte, bem cedo, pegaria o trem para a Polônia. Naquele momento eu vi que viajar sozinha não era tão legal assim. Não tinha acesso fácil à internet e me vi completamente com as mãos atadas. Lá eu me descapitalizei porque paguei por duas passagens. Uma de € 6 que comprei no cartão de crédito no impulso desesperado de sair de lá, só que o ônibus sairia do outro lado da cidade e eu não chegaria a tempo. Outra quando paguei € 15 direto ao motorista porque um anjo da guarda alemão apareceu para me salvar”.

A ideia de escrever o livro surgiu seis meses depois que Rayane chegou de viagem. Ela pegou seu diário de bordo e começou a ler enquanto fazia o scrapbook da viagem. “Lendo tudo o que passei, percebi que poderia ajudar outros viajantes a evitar tantos perrengues. E, ao mesmo tempo, estimular mais pessoas a explorar o mundo viajando, pois, por mais que a viagem não tenha saído conforme planejei, ela foi muito melhor do que esperava”.

Ela escreveu em tópicos tudo o que aconteceu. Desde o embarque no Brasil ao retorno à sua casa. Em menos de um mês, Rayane escreveu mais de 200 páginas em formato A4 e mandou para algumas editoras.

“Não sei ao certo quantas editoras quiseram publicar o livro. Confesso que quando recebi o primeiro ‘seu livro foi aprovado para publicação’ meu coração saltou para a boca. Pensei que seria uma oportunidade única e não teria outra chance. Estava quase assinando o contrato quanto recebi e-mail de outra editora com nova aprovação. E a cada semana recebia duas ou três respostas positivas. Sim, mandei para todas as editoras do Brasil. Aí comecei a analisar os contratos e vi que eu sempre sairia perdendo de alguma maneira”.

Optou pela publicação independente através do financiamento coletivo porque quer participar de todas as etapas de produção. Caso escolhesse fazer com uma editora, o livro poderia ser modificado e isso ela não queria. Outro ponto que a fez escolher o crowndfunding foi a porcentagem de direitos autorais, que fica entre 5 e 15%, dependendo da quantidade de livros vendidos. E, com um repasse tão baixo, ela não poderia investir no projeto de trabalho voluntário mundo afora e em poder doar exemplares para escolas e bibliotecas públicas e casas de acolhimento.

“Quando decidi publicar o livro, pensei no retorno que ele me daria. Não o retorno financeiro, pois minha intenção não é viver dele, mas o quanto eu poderia contribuir para tornar o mundo melhor. Minha profissão já instiga esse meu lado altruísta e de querer ajudar todo mundo. Quando o trem de Colônia para Berlim foi cancelado e passei a noite na estação com um monte de refugiados, percebi que apesar de estar realizando um sonho, eu não estava fazendo uma das coisas que mais amo: ajudar. Como não tinha dinheiro suficiente para dar à todos com quem cruzava ou que não podia largar tudo e ficar lá para sempre fazendo trabalho voluntário, decidi ajudar da maneira que eu podia. A cada cidade que deixei para trás, deixei também uma muda de roupa para o primeiro morador de rua que encontrasse. Cheguei no Brasil com apenas cinco peças de roupas e um casaco que comprei lá para enfrentar a chuva de Viena e, mesmo assim, me sentia a pessoa mais feliz do mundo por ter recebido sorrisos por onde passei”.

Para quem quiser ajudar a Rayane a ter o livro publicado e apoiar uma causa tão bacana, as doações e recompensas podem ser acessadas no site www.catarse.me.