Chernobyl, 30 anos depois do maior desastre nuclear da história
Relato por Ricardo Maluf e Henrique Mendel, do programa “Destino Incomum“
Há exatos 30 anos acontecia o maior acidente nuclear da história, em Chernobyl, na antiga União Soviética. Diferente do vazamento de Fukushima, que teve causas naturais, este acidente foi causado por falha humana e poderia ter sido evitado.
Até hoje não há um consenso se foi por erro dos engenheiros que estavam realizando os testes, se o problema foi uma falha estrutural no projeto do reator ou se uma combinação de ambos, mas por volta de 1h15 os testes começaram a sair do controle dos engenheiros, criando uma reação em cadeia impossível de reverter. O resultado direto da explosão, minutos depois, foi de 31 mortos –números oficiais– e dezenas de milhares ao longo dos anos, vítimas de câncer decorrente da radiação a que foram expostos no combate às chamas. O fogo ardeu por semanas, alimentado pelo grafite do núcleo do reator, criando uma nuvem de material radioativo de quase 2 quilômetros de altura e que, levado pelos fortes ventos na época, chegou à Europa em poucos dias.
Passados 30 anos do acidente o que se vê nas ruas das cidades que compõe a chamada “zona de exclusão” (uma área de 2.600 km² ao redor da usina) é a natureza lentamente retomando seu espaço. Visitar esta região é entrar em uma cápsula do tempo gigantesca e ser transportado para o passado.
Atualmente pouco resta da cidade de Chernobyl, distante cerca de 20 km da usina e apenas 15 km da fronteira com a Bielorússia. É um vilarejo fundado há mais de 800 anos e que deu nome à região e à usina, cujo nome oficial é Vladmir Lenin. Muitas casas da época do acidente eram de madeira, e por isso foram demolidas e enterradas para combater a radiação, facilmente absorvida por este tipo de material. Já os poucos prédios de alvenaria remanescentes são utilizados pelo governo e pelos trabalhadores que constroem o novo sarcófago.
Mas é na cidade de Pripyat, distante apenas 4 km da usina, que as coisas ficam interessantes. A cidade-modelo, inaugurada em 1970, foi construída para abrigar os trabalhadores da usina e suas famílias. Na época do acidente havia mais de 50.000 habitantes, e a cidade era uma das mais modernas da URSS. Contava com hospitais, teatros, centros culturais e de esportes, parque de diversões, diversas escolas e creches, além de toda estrutura que uma cidade planejada poderia precisar.
Caminhar pelas ruas desertas, tomadas pela vegetação, com escombros por todos os lados é uma experiência incrível. Há propaganda soviética para todos os lados; muros pintados, estrelas no alto dos prédios, pôsteres dos principais líderes e placas. Muitas placas. Nos prédios e apartamentos, muitos semi-mobiliados ainda, podemos ver a urgência com que as pessoas fugiram. Móveis e eletrodomésticos ficaram abandonados, enquanto as pessoas eram evacuadas às pressas, levando apenas suas roupas e pertences pessoais.
No hospital pode-se ver prontuários, remédios e aparelhos, como em um filme de terror, espalhadas por todo lado. Nas escolas há livros, cadernos e, inclusive salas de aulas inteiras que dão a impressão que recém tocou a sineta para o recreio e que os alunos já irão retornar. O parque de diversões aguarda pacientemente o dia de sua inauguração, 1º de maio de 1986. Com a evacuação da cidade dias antes, a roda-gigante está estática desde que foi montada, e os carrinhos bate-bate só foram movimentados anos depois, para tirarem fotos dramáticas neste cenário.
De tudo que se espera ver ou ouvir na cidade o que mais chama a atenção é o que não está lá: o barulho. Exceto pelo ruído das folhas e galhos sendo quebrados pelos pés ao caminharmos, não há nenhum outro som. Não há pássaros, não há animais, não há vida selvagem. Em parte devido que, à época da evacuação das cidades, todos os animais (domésticos e silvestres) foram caçados e mortos, e os que conseguiram fugir acabaram morrendo pela radiação. Foi uma medida preventiva, para evitar que os animais acabassem levando a poeira radioativa em seu pelo para fora da zona de exclusão.
Mesmo com a radiação e toda a dificuldade de suprimentos ainda há algumas poucas pessoas que voltaram para suas casas e residem na zona de exclusão, que é policiada. Somente estes residentes, os trabalhadores e alguns poucos visitantes previamente liberados pelo governo podem entrar nesta região. Não é complicado conseguir liberação, apenas leva tempo e você precisa planejar sua visita com uma boa antecedência.
Ao irmos embora dedicamos alguns minutos de silêncio em homenagem aos homens e mulheres que se sacrificaram (muitos sem nem ter sequer uma máscara de oxigênio), para conter o fogo e o vazamento de material radioativo, evitando que o desastre fosse ainda maior. Sem o altruísmo destes heróis anônimos uma área ainda maior teria sido atingida.
Uma coisa é certa, caminhar em uma cidade-fantasma é, ao mesmo tempo, empolgante e assustador. É interessante pela oportunidade de voltar ao passado, em um lugar congelado no tempo, mas que causa um frio na espinha quando se pensa no poder destrutivo e nas consequências ambientais do acontecido. Já se passaram 30 anos do acidente, a cidade está em ruínas, mas só agora a natureza começa a, lentamente, se recuperar.